Em abril deste ano quando a gerente de equipamentos culturais Cíntia Quintanilha, de 35 anos, pegava o trem para ir ao trabalho, ela foi abo...
Em abril deste ano quando a gerente de equipamentos culturais Cíntia Quintanilha, de 35 anos, pegava o trem para ir ao trabalho, ela foi abordada por uma adolescente que precisava de ajuda. E esse foi o impulso para começar um projeto que pudesse ajudar meninas como aquela.
— Eu sou moradora de Nova Iguaçu, estava indo pegar o trem na estação e uma menina de aproximadamente 13 anos me parou pedindo ajuda para comprar absorvente. Ela me mostrou que estava com o short sujo. E eu comprei absorvente e um short — conta a produtora cultural.
No caminho para o trabalho, Cíntia pesquisou o que poderia ser feito para ajudar meninas como aquela e assim surgiu a inciativa “Mulher que Produz”, que reúne e doa material de higiene íntima para mulheres em uma comunidade em Shangrilá, em Belford Roxo. Na pesquisa, Cíntia encontrou projetos que auxiliam no combate ao que é chamado de “pobreza menstrual”, quando pessoas que menstruam não têm condições financeiras para arcar com absorventes.
— É uma mistura de angústia com impotência, porque a gente pensa que as mulheres menstruam mensalmente, mas é como se fosse invisível aos olhos do governo, da sociedade. No posto de saúde tem camisinha, tem DIU, mas não tem absorvente disponível — diz.
Em abril mesmo, Cíntia se juntou com outras duas amigas e iniciaram o projeto. Durante alguns meses elas doaram kits de higiene com sabonete, papel higiênico, pasta de dente e absorvente íntimo para mulheres em três comunidades da Baixada Fluminense, na Lagoinha, em Nova Iguaçu, em Shangrilá, em Belford Roxo, e na Chatuba, em Mesquita. Atualmente o projeto foca só na comunidade em Belford Roxo e auxilia cem mulheres com kits de higiene e também cestas básicas mensalmente, e uma roda de conversa que acontece a cada três meses.
Hoje o projeto conta com um grupo de seis pessoas que ficam responsáveis pela coleta do material para os kits de higiene e de cestas básicas e tem uma rede de apoiadores de cerca de 40 pessoas que doam dinheiro ou produtos de higiene.
A produtora cultural diz que a pobreza menstrual é uma realidade da qual ela já esteve próxima no passado.
— Eu venho de uma família de extrema pobreza. Minha mãe usava toalhinha de pano (quando estava menstruada). Quando eu vi essa menina me pedindo absorvente, me teletransportei para o passado, e lembrei de quantas toalhinhas tive que usar, porque a gente não tinha dinheiro para comprar absorvente — lembra.
Cíntia também viveu na mesma região que hoje ajuda com o projeto, em Shangrilá.
— Lá é um lugar onde as pessoas têm menos acesso a banheiro, a materiais para higiene, menos acesso a transporte público, à água encanada — diz.
A produtora cultural defende que a distribuição de absorventes é uma causa que precisa de atenção para garantir dignidade:
— A gente percebe que é um problema que a sociedade não conseguiu alcançar. Tem várias vereadoras, deputadas correndo atrás de política pública para que a gente consiga colocar absorventes em escolas, clínicas da família, o que ainda é uma discussão. E também não é só colocar lá, tem que pensar como as crianças vão lidar com isso nas escolas. É uma causa nobre que precisa ser repensada urgentemente para que não haja tanta falta de dignidade para essas pessoas — afirma.
Em setembro, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou e o governo do Estado sancionou um projeto de lei para que absorventes íntimos sejam distribuídos nas escolas estaduais. A lei reconhece o absorvente como item de necessidade básica para a saúde e higiene feminina. Projeto semelhante foi aprovado pela Câmara Municipal de Nova Iguaçu em junho.
Via Extra