O Brasil poderia ter recebido doses da CoronaVac suficientes para vacinar mais 23,4 milhões de pessoas caso a proposta do Instituto Butantan...
O Brasil poderia ter recebido doses da CoronaVac suficientes para vacinar mais 23,4 milhões de pessoas caso a proposta do Instituto Butantan tivesse sido aceita em outubro de 2020 pelo Ministério da Saúde, apontam números apresentados pelo diretor do órgão, Dimas Covas, que presta depoimento nesta quinta-feira na CPI da Covid. Segundo Dimas, as ações e declarações do presidente Jair Bolsonaro contrárias à Coronavac inviabilizaram as negociações na época. Se o contrato tivesse sido firmado na ocasião, disse ele, seria possível garantir um total de cem milhões de doses até o primeiro semestre de 2021.
O contrato viria ser firmado apenas em janeiro. De lá para cá, segundo o último cronograma do Ministério da Saúde, divulgado na quarta-feira, foram distribuídas 47,2 milhões de doses da CoronaVac — o que não significa que todas tenham sido aplicadas, uma vez que uma parte pode ser guardada para aplicação da segunda dose. E há a previsão de mais 6 milhões em junho. Cruzando os números mostrados por Dimas e os disponíveis no site do Ministério da Saúde, o país poderia ter 46,8 milhões de doses a mais se o cronograma inicial do Butantan tivesse se confirmado. Como são necessárias duas doses para imunizar alguém, seria o suficiente para 23,4 milhões de pessoas.
— Mudou completamente cronograma, quer dizer, se nós tivéssemos a assinatura dos contratos, com um quantitativo maior de cem milhões, o cronograma seria outro, como eu mencionei, não é? Poderia ter sido cumprido até maio, mas isso se houvesse a sinalização lá em outubro. Em janeiro já existia escassez mundial de vacinas. A própria Sinovac [o laboratório chinês que desenvolveu a CoronaVac] já tinha contratos com o governo da China, já tinha contratos com outros países, e nós entramos numa outra negociação — disse Dimas
Randolfe então questionou:
— Nós teríamos essas cem milhões de doses agora, para o primeiro semestre?
Dimas respondeu:
— Nós teríamos. Se fosse firmado lá em outubro, teríamos o primeiro contrato de cem milhões de doses.
— Ou seja, nós poderíamos estar chegando em maio ou junho com a imunização de 50 milhões de brasileiros? — questionou Randolfe.
— Exatamente — afirmou Dimas.
Em 20 de outubro do ano passado, o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello anunciou a intenção de compra de 46 milhões de doses do Butantan. A oferta do instituto incluía um total de cem milhões até o primeiro semestre de 2021. Mas, um dia depois, Bolsonaro desautorizou Pazuello e anunciou que a Coronavac não seria adquirida.
— Aí, no outro dia de manhã, ainda existiriam conversações adicionais. Infelizmente, essas conversações não prosseguiram, porque houve, sim, aí, uma manifestação do presidente da República, naquele momento, dizendo que a vacina não seria, de fato, incorporada, não haveria o progresso desse processo. Óbvio que isso causa, sem dúvida nenhuma, uma frustração da nossa parte, mas, enfim, faz parte. E voltamos ao Butantan e continuamos o projeto, quer dizer, isso não foi motivo para nós interrompermos o desenvolvimento da vacina, mas aí já com algumas dificuldades, ou seja, a inexistência de um contrato com o ministério, que é o nosso único cliente, colocava, de fato, uma incerteza em termos de financiamento. E nós já tínhamos contratado com a Sinovac parte importante desse projeto — avaliou Dimas.
— Nós estávamos trabalhando juntamente com todos os setores do ministério para, inclusive, encaminhar uma medida provisória para dar sustentação orçamentária aos nossos pleitos e, após o dia 20 de outubro, isso foi absolutamente interrompido, quer dizer, não houve o progresso dessas tratativas. De fato, eu nunca recebi um ofício dizendo que a intenção de compra feita no dia 19 não era mais válida, mas, na prática, não houve consequência. Quer dizer, a consequência foi o contrato no dia 7 de janeiro e, mesmo assim, uma consequência em detrimento, vamos dizer assim, de outras iniciativas que não deram certo — acrescentou.
Via Extra