BELFORD ROXO - A notícia de que mais de 20 famílias haviam sido despejadas de um prédio no Centro do Rio comoveu o adolescente Kaike Mangaba...
BELFORD ROXO - A notícia de que mais de 20 famílias haviam sido despejadas de um prédio no Centro do Rio comoveu o adolescente Kaike Mangaba dos Santos, de 16 anos. Ao ver uma reportagem sobre a desocupação do imóvel, o jovem morador da Vila Pauline, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, só tinha um pensamento: de ajudar aquelas pessoas.
Embora nunca tenha dormido na rua, Kaike se identificou porque conhece bem as adversidades da vida. Abandonado pelo pai aos 9 anos, o menino, que já passou fome e comemora o emprego recente da mãe como vendedora de peixe na Zona Norte do Rio, vislumbra um futuro de sucesso na sua maior paixão: o futebol. Há um mês, ele parece ter chegado um pouco mais perto de realizar seu sonho. Foi um dos 28 adolescentes selecionados para o Sociedade Esportiva Belford Roxo, novo clube de futebol da região.
— Desde pequeno, peço a Deus para ser jogador de futebol. Quero dar uma condição boa para minha mãe. Às vezes, a gente passa dificuldades, ela não consegue comprar as coisas, já fiquei sem ter o que comer. Mas, graças a Deus, conseguiu esse trabalho na feira há um mês para ganhar R$ 50 por dia. Quando vejo na televisão a situação de pessoas na rua ou sem ter o que comer, fico pensando em como poderia ajudar — ressalta Kaike, que começou a jogar aos 8:
— Comecei na escolinha de futebol do bairro. Um dia, me levaram para fazer teste no Nova Iguaçu. Aos 16, joguei no Duque de Caxias. Agora, sou atacante aqui.
Mais de 200 adolescentes participaram das peneiras que selecionaram 28 atletas Foto: Pedro Teixeira / Agência O Globo
O time selecionou 28 adolescentes entre os mais de 200 que participaram das peneiras. Do total, 24 jogadores são de Belford Roxo. Em comum, esses jovens veem no futebol o caminho para superar seus dramas familiares.
Para Gabriel de Lima Pinheiro, de 16 anos, o futebol foi terapia. Ele foi selecionado para o time três anos após perder a mãe:
— Fui morar com meu pai que tinha acabado de sofrer um acidente. Sentia muito a falta da minha irmã e da minha avó. Foi um período difícil de adaptação. Joguei no Miguel Couto ano passado, mas depois saí e me senti desanimado, sem oportunidade. Até que soube da peneira. O futebol foi minha válvula de escape.
Gabriel perdeu a mãe há três anos e encontrou forças no futebol Foto: Pedro Teixeira / Agência O Globo
Gabriel é um dos goleiros do time. Ele se espelha em nomes como Fernando Miguel, do Vasco, e Fábio, do Cruzeiro. Mas levou um tempo até perceber sua vocação em campo:
— Comecei a jogar futebol aos 7, mas não tinha muita vocação. Como era gordinho, sempre ficava no gol. Dois anos depois, descobri que minha paixão era ficar embaixo das traves.
O volante Arthur Corrêa Moreira, de 15 anos, já tem bem claro seu desejo dentro da carreira profissional. Ele jogava em uma escolinha de futebol há três anos, antes de participar da peneira:
— Lá, descobri que gostava de futebol. Sempre trabalhei esperando a oportunidade de entrar para um clube. Quero ser o melhor jogador do mundo e dar uma casa para minha mãe, que sempre trabalhou muito para não me faltar nada.
Em seu primeiro clube, o volante Alexsandro Silva, de 16 anos, pretende um dia sustentar sua família com o futebol:
— Quero dar conforto e uma casa aos meus pais. Meu pai é pedreiro. Queria que ele não precisasse mais trabalhar. Foi minha família que sempre me ensinou a gostar de futebol.
Arthur Corrêa quer ser o melhor jogador do mundo Foto: Pedro Teixeira / Agência O Globo
Trabalho social
A ideia de criar o clube em Belford Roxo surgiu durante a pandemia. Mas, além de ser um celeiro de talentos, o Sociedade Esportiva Belford Roxo quer construir um trabalho social com os atletas da região.
— Quando o presidente do time, Reginaldo Gomes, teve ideia de criar um clube de futebol na cidade, optamos por começar com a categoria sub-17. Ano que vem, vamos disputar o carioca da categoria sub-13 até a profissional. Todos eles têm grandes sonhos, mas a maioria não tem estrutura familiar nenhuma. Muitos, chegam aqui sem café da manhã e se alimentam aqui, antes e depois dos treinos — afirmou Gustavo Barros, vice-presidente de futebol do clube.
Um dos requisitos para participar da peneira foi estar matriculado em uma escola. O novo clube vai inaugurar um estádio próprio, ainda este ano, para a disputa do Campeonato Carioca profissional em 2021.
Alexsandro pretende sustentar sua família com o futebol Foto: Pedro Teixeira / Agência O Globo
Via Extra