A preocupação com a falta de acesso de milhares de detentas a cuidados básicos de higiene íntima levou Giullia Jaques, de 17 anos, a id...
A preocupação com a falta de acesso de milhares de detentas a cuidados básicos de higiene íntima levou Giullia Jaques, de 17 anos, a idealizar um projeto de produção de bioabsorventes (absorventes ecológicos) para mulheres presas em penitenciárias brasileiras: o Absorvidas. A ideia surgiu numa viagem de Giullia ao Peru, quando a estudante conheceu o projeto de uma empresa que levava vasos sanitários para comunidades carentes em Lima.
— Na palestra, eles sugeriram que pensássemos em tudo que temos acesso, e sobre como seria não ter isso. Fui pensando até que cheguei ao absorvente íntimo. Vi que no sistema penitenciário brasileiro as mulheres não têm acesso a isso. Quando recebem, é de qualidade inferior e quantidade menor da que precisam — afirma Giullia, moradora de Belford Roxo, na Baixada Fluminense.
Na sua pesquisa, a jovem leu livros como “Presos que menstruam’’, de Nana Queiroz, e ‘‘Prisioneiras’’, de Drauzio Varella. Soube de relatos incríveis, como utilização de miolo de pão ou jornais para substituir os absorventes íntimos. Foi, então, que Giullia começou a buscar parcerias para poder desenvolver o seu projeto:
— Busquei alternativas para lidar com a menstruação e poder ajudar mais de 42 mil detentas. Quis dar acesso à higiene íntima para essas mulheres. O bioabsorvente seria a melhor opção, pois é de pano, abotoado na calcinha e de fácil higienização. Entrei em contato com mais de 20 empresas.
O bioabsorvente é feito de tecido e é abotoado na calcinha Foto: Reprodução
Duas semanas depois de voltar ao Brasil, Giullia teve a resposta. Entre todas as empresas, apenas a Herself retornou o contato da jovem. A empresa, que produz calcinhas, biquínis e maiôs absorventes, vai doar insumos para a produção dos bioabsorventes, que duram até quatro anos. De acordo com Giullia, serão doados materiais que são descartados pela empresa durante a fabricação de seus produtos:
— Falei com a Fundação Santa Cabrini. Na Penitenciária Talavera Bruce, há algumas detentas que costuram. Sugeri de começarmos o projeto ali, onde há cerca de 400 presas. A ideia é que elas costurem os bioabsorventes para todas as outras. Em algumas semanas, a quantidade necessária para elas será produzida.
Giullia pesquisou sobre detentas no sistema carcerário brasileiro Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo
Na terça-feira, Giullia vai se reunir com a direção da empresa, e representantes da penitenciária e da Fundação Santa Cabrini, para acertar os detalhes sobre o início do projeto. Mas ela já pensa no futuro.
— Eu quero sonhar um pouquinho mais alto e pensar nas outras detentas do país. Quero sair do Brasil, e deixar esse projeto muito bem estruturado. Espero que chegue em um nível no qual o próprio governo passe a investir nisso — torce a jovem, que foi selecionada para fazer um intercâmbio na Colômbia e viaja para o país em fevereiro.
A vice-presidente da Fundação Santa Cabrini, Teresa Cosentino, disse que o projeto trará grandes benefícios:
— Nós, juntos com a Secretaria estadual de Administração Penitenciária (Seap), estamos bastante interessados em trazer o projeto para dentro das nossas unidades. Não só pelo benefício óbvio que é o uso dos bioabsorventes, mas pela questão da sustentabilidade. Queremos ser parceiros e estamos estudando como fazer isso — explica Teresa.
Giullia no Departamento de Estado nos Estados Unidos este ano Foto: Reprodução / Arquivo pessoal
Giullia foi aprovada para começar este ano no curso de Relações Internacionais, na UFRJ. Mas o sonho de uma graduação internacional falou mais alto. Ela cancelou a matrícula para concorrer no Oportunidades Acadêmicas, programa do Departamento de Estado dos EUA. Giullia quer cursar Ciências Políticas. O resultado sai em fevereiro.
Enquanto isso, ela se prepara para sua quarta viagem internacional. A jovem foi selecionada para participar do programa piloto criado pela Academia de Liderança da América Latina que acontecerá em Medellín, na Colômbia.
O programa busca ensinar jovens a desenvolver e buscar recursos para projetos. Para viajar, precisa de R$ 15 mil. O valor será utilizado para custear o programa e as passagens. Criou uma vaquinha online e tem até fevereiro para arrecadar a quantia. O link é https://www.vakinha.com.br/vaquinha/giullia-na-colombia-giullia-jaques-caldeira. Até o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) compartilhou o link da jovem em seu Twitter.
Giullia em Brasília, quando cursava o 3º ano e criou um projeto de lei sobre os direitos trabalhistas das mulheres Foto: Reprodução / Arquivo pessoal
Giullia sempre foi ligada às causas sociais. Quando estava no 3º ano do ensino médio, no Colégio Pedro II, criou um projeto de lei que reservava 8% das vagas para mulheres com filhos na primeira infância. Apresentou no Congresso Nacional, através do Parlamento Jovem Brasileiro. Também participou do programa estudantil de Verão, no Japão. Em janeiro deste ano, fez sua segunda viagem internacional. Através do Programa Jovens Embaixadores, ficou por três semanas em missão diplomática nos Estados Unidos.
Por Cíntia Cruz
Via Extra