BELFORD ROXO - “Descobri que o analfabetismo era uma castração dos homens e das mulheres, uma proibição que a sociedade organizada imp...
BELFORD ROXO - “Descobri que o analfabetismo era uma castração dos homens e das mulheres, uma proibição que a sociedade organizada impunha às classes populares”. A frase do educador Paulo Freire (1921-1997) retrata um problema de mais 13 milhões de brasileiros. Em Belford Roxo, a Escola Municipal Álvaro Lisboa Braga (Heliópolis) desenvolveu o projeto Tecendo para a Transformação, que tem como um dos objetivos diminuir o número de analfabetos na unidade. A Secretaria Municipal de Educação irá implantar o método ainda este ano nas escolas da rede.
No início do ano, de 52 alunos do terceiro ano do ensino fundamental (antiga segunda série), 16 eram iletrados. Atualmente, 14 já saíram deste grupo e leem, além de estudarem todos os dias em um caderno de atividades elaborado na própria escola. Outra meta é aumentar a nota do último Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), 3,7, abaixo da meta que era 4,6. A Álvaro Lisboa Braga tem 628 alunos da educação infantil ao 5º ano, com idades entre 5 e 15 anos. “Valorizar os professores que se dedicam dia a dia nas escolas às práticas pedagógicas inovadoras é fundamental. Com isso construímos uma educação de qualidade para todos os alunos”, disse o secretário-adjunto de Educação Marcos Villaça.
Elaborado pela orientadora pedagógica Fernanda Capilluppi e a orientadora educacional Charlyne Souza Cruz, o projeto detectou que a maioria dos alunos nos três primeiros anos de ensino não sabe ler. “Muitos deles apresentam dificuldades, mas em 80% dos casos constatamos que o professor não consegue fazer com que os alunos entendam o que foi explicado. Tínhamos alunos de 15 anos que não sabiam ler. Fazemos sempre relatórios bimestrais e acompanhamos evolução de cada um deles”, explicaram as orientadoras, que montaram o caderno de atividades com várias matérias, com ênfase em português e matemática.
O secretário municipal de Educação, Denis Macedo, destacou que o projeto começará a ser implantado ainda no segundo semestre em outras escolas da rede. Ele frisou que o Tecendo para a Transformação tem o mérito de ser desenvolvido por duas pedagogas do município e com baixo custo. “O gasto é apenas com papel e cópias. Isso mostra que Belford Roxo tem um bom quadro de profissionais e não precisa vir ninguém de fora com projetos mirabolantes. O material está sendo avaliado pelo departamento pedagógico da Secretaria de Educação para colocarmos em prática nas outras unidades ainda este ano”, argumentou Denis, Fernanda e Charlyne explicaram que no relatório de março, uma aluna não conseguia escrever o nome completo. Já na segunda avaliação ela já conseguia escrever o nome todo, além de reconhecer objetos desenhados em uma folha. “É importante destacar que não é um simples reforço escolar, pois tudo passa pela metodologia da sala de aula e não há separação de alunos. Debatemos os relatórios com os professores para sempre melhorarmos. Outro dado importante é que estamos estendendo o projeto para todos os anos de escolaridade”, argumentou Charlyne Souza Cruz, frisando que as provas são elaboradas baseadas no caderno de atividades.
Jogos educativos ajudam nas lições
Escalados para a missão de alfabetização, os professores Aline Xavier e Pablo Heitor de Almeida ficaram, receosos no início, mas enfrentaram o desafio. Com o apoio de Fernanda e Charlyne, os dois arregaçaram as mangas e mergulharam de cabeça no projeto.
Aline contou que nunca havia trabalhado com alfabetização e no começo ficou assustada. Ela começou a colocar em prática a criatividade e elaborar exercícios práticos utilizando jogos. Um deles, montado com tampas de refrigerantes, é o de divisão silábica em forma de caça-palavras, que faz o maior sucesso com os alunos. “É um desafio que estou superando, pois os alunos estavam desmotivados. Pensei que fosse ter muitos problemas, mas eles se ajudaram também e ficou mais fácil”, revelou Aline, que é professora de matemática, destacando que dos seus oito alunos do projeto, apenas um ainda não conseguiu aprender a ler e escrever. “É um trabalho lento e gradual”, completou.
Empenhado na nova experiência, a vida do professor Pablo não foi só de “sofrência”. Ele, que só dava aula para alunos do 5º ano, encarou o desafio de frente e criou também um jogo silábico em cartelas de papelão para que os alunos pudessem montar as palavras. “Os alunos quando aprendem a ler e escrever se sentem melhor, mudam a autoestima. Temos que matar um leão por dia, mas é gratificante”, arrematou Pablo. No quadro, o aluno Leandro Batista, 9, escrevia a palavra qualificado, ditada pelo professor. Ele acertou e foi aplaudido pelos colegas de sala. “No início do ano eu não sabia nada. Agora sei ler e escrever. Meus pais estão muito felizes”, finalizou o menino.
De aluno rebelde a exemplo para a turma. Essa agora é a rotina de Wallace Pereira Araújo, 15, que até o início do ano tinha dificuldade em aprender. Com o incentivo e apoio da professora Aline, rapidamente ele foi juntando as sílabas, formando palavras e hoje incentiva os outros colegas. “Quero estudar para ser alguém na vida. Agora já consigo ler várias coisas que vejo pela rua. Sou outra pessoa”, disse um tímido Wallace.